terça-feira, 7 de outubro de 2008

E agora, José?

A tormenta (quase) passou. Foram-se centenas de candidatos entre vereadores e prefeitos e agora nos restam apenas dois. Foi-se a bonequinha, foi-se o delegado carente, foi-se a esquerdista, foi-se o "professor"... e, finalmente, foi-se o único que, sem dúvidas, pode ser chamado de candidato. Ficaram o garoto de Traquateua e o outro lá...

E agora, o que fazer? A coisa 'tá feia pra barbalho... falando nisso, por que o nosso tão carismático candidato do PMDB omite seu tão famigerado sobrenome? Vergonha? Cautela? Estratégia? (...) Durante toda a sua campanha, foi dito que, a partir do seu mandato, o prefeito será obrigado por lei a continuar uma obra inacabada. E o povo adora, exalta-se. Mal o povo sabe que é princípio a obrigatoriedade de continuar uma obra da gestão passada, em face do princípio da impessoalidade, atrelado ao da moralidade. Impessoalidade. É difícil de compreender? A gestão é impessoal; quem está ali está em serviço do povo, e não em proveito próprio (em tese, claro). Portanto, esse discurso mentiroso só ilude os desinformados.

Tem outra: foi dita na campanha rica em falácias que, foi o Barbalho quem "deu" passe livre aos idosos. Que coisa feia... Além de enganar os pobres coitados com esse discurso de nova lei, ainda engana os velinhos. Existe o estatudo do idoso, sabia? Pois é. Eis um excerto dele:
CAPÍTULO X
Do Transporte


Art. 39. Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares.

Agora, o mais legal. Olha quem são os autores do estatuto: Márcio Thomaz Bastos, Antonio Palocci Filho, Rubem Fonseca Filho, Humberto Sérgio Costa Lima, Guido Mantega, Ricardo José Ribeiro Berzoini, Benedita Souza da Silva Sampaio, Álvaro Augusto Ribeiro Costa. Alguém viu Priante ou Barbalho? Não.

E agora, José?

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Feira (literalmente) do livro

Que maravilha. Estamos na XII Feira do livro. Ela recebe milhares de visitantes por dia. Crianças, jovens e idosos; gente de todas as idades. Mas, enfim, qual o intuito da Feira? Passei trinta minutos lá para ter certeza que comprar pela internet é melhor que o controle remoto. A feira é enorme. Majestosa em quantidade; em qualidade, sequer merece comentários. Afinal, uma das maiores feiras de livros da América Latina deveria ter o pudor de selecionar títulos nobres, clássicos da literatura. Já pensou comprar A Divina Comédia ou Dom Quixote por dez reais? Mas não; enquanto isso temos toda o arsenal do Paulo Coelho junto com os caçadores de sei-lá-o-quê.

De mil pessoas que freqüentam a feira, não seria espantoso que apenas uns cem comprasse, pelo menos, um livro para o filho. Quem já foi à feira [do livro] sabe que a algazarra, o alvoroço, a balbúrdia, não acontece porque é a feira do livro, e sim porque é mais um evento qualquer de Belém. Se a leitura fosse estimulada e se o preço dos livros fossem acessíveis, as crianças iriam ao Hangar para ter uma diversão saudável, comprariam livros e voltariam para casa felizes, e não se uniriam em gangues para brigar bem na frente do centro de convenções. Acham lindo, a imprensa então, fez promessa pra santinha.

Tem gente que realmente pretende ir à feira do livro para comprar um título que seja interessante para si, que leva os filhos para que eles se divirtam ante aos milhares de livros infantis. Mas tem gente que vai tão-somente pelo fato de ser "alguma coisa que todo mundo vai"; aí faz bagunça, arruma briga; é farinha de feira. Ariano Suassuna que nos perdoe pela feira.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Gélida garrafa

Conta a lenda dentro da minha cabeça que um navio estava a naufragar. Alvoroço, correria, medo. Aquela gélida água não perdoaria ninguém, nem mulheres nem crianças. Os barcos haviam pegado fogo em conseqüência da correria; um lampião caíra neles. O inferno começara ali. Não restava nada senão a morte.

O comandante, como de praxe, havia ficado na cabina, refletindo e pensando se morreria sorrindo ou agonizando. Pôs-se a pensar. Avistou um tinteiro, procurou por folhas e redigira um manuscrito antes que a água tornasse sua azul mortalha. O velho truque da garrafa ajudara-o. Deixou mulher, filhos. Deixou a si mesmo. Traiu o mar. Trinta e sete anos depois, uma velha - já castigada pelo tempo - encontrara um manuscrito numa garrafa de rum. Tinha versos escritos: Morrerei/ Poseidon convocou-me à luta/ Do mar quero ser rei/ Eis meu desalento: árdua labuta.

Longe dali, n'outro continente, um jovem poeta pescava quando avistou um objeto a boiar, não era opaco. Alcançara com a canoa, tirou a rolha. Papel velho. Eis o que continha:

À minha doce amada,
Encontro-me naufragando, à deriva no mar. Não sei se viverei para ver nossos filhos brigando um com o outro. Sinto medo, saudade. Sinto que te amo, minha querida. Os vinte e cinco anos que passamos juntos pareceram vinte e cinco dias, tamanha a intensidade do nosso amor. Sinto que nos amamos o suficiente. Agora sinto tuas mãos se confortando na minha barba malfeita, teus risos das dez da noite, teu grito de prazer, teu sexo. Teu perfume agora toma conta da minha cabine, me entorpece, me encanta. Parece que nunca te vi; amor platônico. Sou aquela criança que tem um amor impossível de colegial. Diga aos nossos filhos que nos amamos de verdade.
Sabia, minha querida, que o pingüim, quando escolhe uma fêmea, passa com esta o resto da sua vida? Somente com ela. Todo o seu prazer se dá em um único deleite.
Teus seios repousam em minha mente para sempre. Eu hei de lembrar-te junto aos corais, aos peixes, às moréias. A saudade já me dói agora, neste último instante de vida que me resta, porque não sei se depois me sentirei confortável ou se amar-te-ei na infinitude, na imensidão do mar. Tua imagem está agora em mim, penetrou na minha pele, foi até o âmago.
Não me esquece, minha amada. Um dia estarei ao lado teu. Enganarei o destino e o tempo; uniremo-nos em morte, bem como ocorreu em vida. Espera-me. Se me amas como te amo, não fiques triste. Estou agora do teu lado. Sou a nuvem mais bonita, a flor mais colorida, o bicho mais voraz. Sou teu desejo mais profundo ou profano. Somos um só agora. Agora vou virar um peixinho, meu amor. Adeus.


As mensagens nunca tiveram outro remetente.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Santo Cego

Afinal, o que é Dignidade? O que significa ter uma morte digna? Viver com dignidade ou morrer pela falta dela. Eis um problema. Diz-se problema porque há uma grande vilã que obscuresce não só esse conflito, como muitos outros: a tão enaltecida igreja católica apostólica romana. Tão péssima quanto o pior dos ditadores. Esta impede um avanço, uma esperança. Células-tronco, casamento homossexual e todas as outras barreiras que o povo brasileiro não supera pela existência desse estorvo. Suicídio assistido. Tânatos. O Direito reprime essa prática de uma forma racional, a igreja, de um modo macabro. "Você vai para o inferno caso se mate". O atleta que fica tetraplégico já vive no inferno. Sua dignidade expirou.

Tamanha é a sapiência católica que um padre voou e não voltou; foi para o céu. Essa igreja interfere na autonomia da vontade alheia, cega os olhos dos seu seguidores. Mas afinal, dignidade é ouvir as palavras de pedófilos ou maníacos com complexo de Ícaro? Ou dignidade é saber o que é melhor para si, saber o limite da sua existência?

A História, como se sabe, é escrita pelos vencedores, pelos gloriosos. Diga-se de passagem que a Igreja Católica dizimou qualquer religião que a contrariasse, queimou curandeiros acusando-os de bruxaria, torturou sábios, ameaçou homens que mudaram a concepção humana (vide Galileu) e (quase) dominou o mundo. É nesse tipo de diretriz que devemos crer para ter uma paz espiritual melhor? Não consigo crer numa instituição que impede o avanço tecnológico, social, filosófico e, por que não, religioso. Se padres e bispos fossem mudos, o mundo - ou pelo menos o Brasil - seria menos cego. Quem escolhe é o dono da vida, e não aquela que já tirou milhões delas.

Quem crê em deus, cuidado. Ele tem muita gente pra cuidar, muito pedido pra acatar e muita, muita bagunça pra arrumar, feita em nome dos seus fiéis. Uma guerra santa nunca é o suficiente.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Estocolmo

Ela acordou. Quarto escurto, úmido, fechado, sem nem um feixe solitário de luz. Ratos e insetos desfilando como num evento. Arrastou a mão pelo piso e sentiu aquela desgostosa farpa de madeira penetrando-lhe os dedos, banhando-se, vestindo-se de vermelho. Não tinha sequer lágrimas a derramar, nem um grito, nem um urro de dor. Seu desespero estava espremido por outro sentimento inexplicável, selvagem.

De repente, entra alguém no úmido recinto, berrando, indagando que o resgate não havia sido pago. Chutou a mesa, falou alguma coisa em húngaro - a língua que até o diabo teme -, olhou para ela e sorriu. Aquele sorriso parecia um faca penetrando seu coração, dilacerando o peito já abalado por um rapto ainda sem explicação. Lembrou da Bela e a Fera; não sabia por quê. Talvez seu inconsciente o fizesse. Talvez seu coração. Sobreviveu assim, por medo, por afeição. Sobreviveu pelo stress. Viveu. Esse processo ocorreu amiúde. Ninguém viu, ninguém ouviu. O mundo ficava cada vez mais desconexo; a vida adormecera.

Ele entra. Ela não grita, não chora, não odeia. Entra rápido, sem falar, sem hesitar. Seu coração palpita sem explicação. Síndrome, sono, sexo. Agora era Patty Hearst. Agora era nunca mais. A polícia cercara o cativeiro. Um projétil gélido e acinzentado penetrara suavemente o bulbo dele; outro, o cerebelo. Por fim, sua traquéia fora dilacerada por uma bala de fuzil. Toda a cena foi assistida por ela. Toda. "Não!". Ouviu-se um inesperado grito de agonia. E Estocolmo nunca ficara tão perto dos seus olhos. Nunca um amor fora criado assim, para ela. Nunca a cabeça turvara sua visão. É a captura da noiva; é tudo e nada. Esse laço fora quebrado para sempre, e ela viverá, assim, amargada pela perda, pela força. Fora forçada a perder. Morreu velha, sem entender por que amara o húngaro.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Eurídice, Eurídice!

Orfeu, Orfeu. O que representa? Ele representa a ganância, a impaciência e o egoísmo? Ou representa o amor, a paixão e o desejo de fazer-se feliz? Eurídice estava (quase) em seus braços, na sua lira. Deixou escapar pela certeza de ela o estar segundo para o mundo dos vivos. Após adormecer Cérebro, passar por Caronte e fazer Hades derramar lágrimas de ferro, deixou tudo escapar pela certeza de um simples momento. Momento inoportuno para se ter dúvidas.

Eurídice, tornou-se morta uma vez mais, para sempre. Qualquer pagão apaixonado não perderia a oportunidade de ver sua amada, não importando as circunstâncias. Mesmo que pudesse ser a última vez. E, ao perdê-la, recusaria olhar para outra mulher, confrontando seu sofrimento e os dardos das Mênades penetrando em cada espaço da epiderme, até a morte. Qualquer um teria sua cabeça enterrada para deixar o canto do rouxinol mais diáfano e poder, enfim, mesmo sem cabeça, sentir sua amada, em terra ou no hades.

Santiago

Ao término da leitura de "Crônica de uma morte anunciada", pergunto o que Santiago Nasar Representa. Seria a morte merecida de um cínico ou o infortúnio destino aceito de um reles ser humano? A resposta paira no universo de Márquez e viola a fronteira da razão. A união e a ignorância - esta última, no mais puro sentido da palavra - de uma família foram chocadas pela desonra a qual só se perde uma vez.

Ângela Vicário. Eis quem causa morte e desonra. Vicário. Vigário. Sendo vicário o verbo usado no lugar daquele já usado, para não haver redundância, Ângela já havia sido usada, sua pureza havia se desintegrado - possivelmente - nas mãos de Santiago Nasar. Pedro e Pablo Vicário foram os substitutos; da honra, por ora. O sangue fétido que emana do botão da corola e rola sobre a vulva, foi compensado pelos golpes das facas gêmeas desferidos simultaneamente pelos justiceirtos. A imagem de Santiago Nasar tombando no chão da cozinha é a imagem de um herói que carrega o seu destino sem hesitar, sem pestanejar. Mesmo nunca havendo morte tão anunciada, Santiago sequer fugiu ou se armou até os dentes para se defender.

Por mais que não tenha feito o que disse a moça, carregou essa triste e doce cruz. Carregou uma vida feita por uma frase, uma fantasia. Aquela faca atravessando sua mão foi a vingança de ter atravessado a honra de uma mulher, quiçá de uma família inteira.

Santiago Nasar representa um homem digno de vingança. Ou, homem a ser vingado. Ou a ser coroado rei da desonra. Não teve álibi; se o tivesse, seria sua palavra, sua história. Santigo Nasar aceitou a morte como uma mulher aceita entregar-se a um primeiro assassino.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Sem título

Não costumo ler jormais; porém, hoje me deparei com a seguinte frase "Sou o intelectual mais importante do Brasil". Fato cômico: Essa frase aparece na entrevista do "ilustríssimo" Paulo Coelho à revista Playboy.

Este blog, que preza pela seriedade e pelo bom uso da língua portuguesa, está de luto.

Grato.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Para o inferno com Matanza

O cenário musical brasileiro é, digamos, preocupante. Falando de rock, então... comentários se perdem no vão que paira sobre nossas cabeças. Que tal falar de "countrycore"? Quando se fala de mistura, prefiro gastronômicas às musicais; porém, há certas coisas que, além de passarem no filtro do gosto pessoal de muitos, passam no filtro do bom senso. Sem samba-rock ou Bossa Nova com música eletrônica - o que deveria ser proibido - , passemos ao (não tão) desconhecido "countrycore".

Há pouco mais de um ano conheci um grupo denominado Matanza. Confesso que no começo não gostei muito, mas, ouvi, ouvi, ouvi... é bom. Na verdade, muito bom. Ouso dizer que, aparentemente, é o que salva o cenário do rock brasileiro. Falando de briga, bebida, mulher e violência, a banda consegue driblar a banalidade de riffs e palavras, chegando ao ponto de ter uma música agressiva e inteligente. Levam a sério a "arte do insulto", fazendo das agressões verbais e das inesistentes físicas, tornarem-se, de fato, arte.

Com a influência de Johnny Cash, Elvis Presley, músicas irlandesas e Country de raiz (cadê os Beatles, hein?), fez-se a promessa de um rock brasileiro bom. Ao incorporar a personagem agressiva e alcóolatra, Jimmy London faz a salvação dos "camisas pretas", visto que estavam a mercê de um ídolo que não participasse do Criança Esperança. Agora, eis tal símbolo; não só ele, mas sim a banda inteira. Matanza. Matanza.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Brasil Surdo

Estou cá no trabalho e lembrei de algo que me falaram há um tempo: Marcelo Camelo é a reincarnação do Chico Buarque; já vi, também, muitas coisas no orkut do tipo "Será que o Camelo vai ser o novo Chico?" ou pior "Camelo é tão bom quanto Chico". Enfim, besteiras que aturamos no dia a dia.

Esse Camelo aí é bom, claro. Mas pelo amor...não percamos o senso do ridículo. Qual contexto histórico-político é comparável àqueles anos sufocados, reprimidos? Hoje em dia temos o funk e os sereados americanos estuprando nossos oouvidos e olhos. De certa forma, qualquer um se descaca na atualidade no quisito música, já que passamos por uma escassez de bom senso. Os bons estão na paz derradeira e os que vivem são cobertos pela massa de cantores de churrascaria.

Nesses tempos difíceis para nós, amigos, me prostitui à boa música, indo ao show da Maria Rita, filha da sei-lá-por-que tão idolatrada Elis Regina. Ela era melhor atriz que cantora.
Nesse ano de comemorações, a Bossa nova comemora seu aniversário de meio século com um bolinho, chapéu de cone e meia dúzia de convidados; o resto foi pra rave ou pro baile funk.
Ajudem a música brasileira. Far-se-á ela a imortal dos ouvidos brasileiros, um dia...

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Soldados de Lennon

Todo mundo é obrigado a idolatrar os Beatles. Não conheço um fã deles que não tenha tentado me bater quando disse "Beatles não é lá essas coisas... Foi muito bom pra época, influenciou (quase) todas as bandas de hoje, mas não é nada de divino." Quatro caras ingleses que estouraram majestosamente, sim. Porém existem ingleses muito mais legais que eles. William Shakespeare, Thommas Hobbes, John Locke, Chaplin, Charles Dickens, Isaac Newton, etc. Portanto, não venha com o discurso de "Os Beatles foram os ingleses revolucionários.

Com toda a certeza, não são a base de todo e qualquer estilo musical. Existem vertentes muito mais inteligentes e complexas do que cantar "she's got a ticket to ride" durante dois minutos. Não desmereço nenhum deles. Aliás, Paul tem um livro de sonetos que me parece ser bem interesante. Muito mais, por sinal, que "iê iê iê".

Hoje em dia, quem não gosta de Beatles, não tem cultura ou não conheçe as raízes musicais do que está ouvindo. Pelo amor... Eu tenho que saber quem era o dono do boi que foi feito o hamburguer que comi, caso contrário estarei sendo negligente ao não saber as "raízes" daquilo. Os que não gostam dos Garotos de Liverpool estão fadados ao insucesso nas suas indagações e preferências musicais. É como se fosse um pressuposto para se ouvir música. Para os fãs, parece que deus tira o ipod e diz: Se você não ouvir Beatles, rapaz, vai para o inferno". Francamente. Depois me chamam de radical... O bom de ser beatlemaníaco é poder tocar as músicas com a mesma facilidade das músicas do Renato Russo.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Derradeira Eternidade

Já pensou se vivêssemos ao contrário? Se tudo se inciasse numa cadeira de balanço na casa de campo, vendo televisão e tomando chá? Iniciar-se-ia a vida com bodas e bodas, com filhos, netos, bisnetos... Passaríamos a viver com a única certeza: recolher-se ao ventre? Pois sim. Nessa vida que cada qual leva, só há aquelas duas certezas: o descanso eterno e o despertar do amor n'outra pessoa.

Seria desconfiante começar a vida aposentado, e com o passar dela, trabalhar cada vez mais; seria incômodo. Trabalhar cada vez mais e ganhar cada vez menos. Nesse aspecto, alguns vivem em sentido oposto. A sua amada, ficaria cada vez mais jovem, cada vez menos madura e cada vez menos apaixonada. Não faltariam oportunidades à provas de amor; mas ao encurtamento da fase adulta, aproximando-se da juventude, os olhos pôr-se-iam a chorar mais. Quanto mais se vive, mais se chora. Mas se a vida fosse em revés, quando o velho fosse jovem, teria mais por que chorar, choraria mais as dificuldades e as perdas, choraria por comida, choraria por fome quando criança.

Por que chorar? Porque faz-se saber que aquela tem memórias na medida; rememorar uma vida, recordar um sorriso. Passando a vida ao revés, tombar-se-ia na infância, no leite e não na cinza; no ventre e não na terra. Do que adiantaria recolher-se ao ventre, se uma criança nada faz senão alegria com sua figura? E, aquela pessoa, vivida, a qual proporcionou eternas alegrias a outrem, eternas angústias, eterna felicidade, há de ter a honra de banhar-se com lágrimas em sua paz derradeira. Vida, vida... Virtude. Recorde a quem te fez feliz, quem te deu segurança, amor, vida, eternidade.

Texto em homenagem a Diego Ventura, Renan Arruda e Família.

terça-feira, 18 de março de 2008

A Virgem e a Meretriz

Cá de cima eu posso ver
Alto aqui, o que nunca viste
Toda a pureza do mundo aí embaixo
Talvez eu nunca encontre
O paraíso que nos separa
Paira sobre ti, corre de mim
Talvez eu nunca encontre
Você.

Longe de mim, longe do mal
Aqui queima
Todo mundo arde e sabe por quê
Pra cá, todos correm
Desprezam-me, sei que não valho
Um tostão de misericórdia
Quem me chuta, não sabe
O prazer que me deu

-Eu não sei voar
-Eu não sei rezar
-Eu vejo o mundo
-Tão imundo

Quanta diferença
Entre nós há um abismo
Aquele da pureza; a escuridão
Afinal, eu não sei quem és
Eu sou Maria, tu és Maria
A minha sina é me guardar
Ou esperar a chuva cair
Saciando minha solidão
És uma graça. Eu, devassa

Eu também espero
Espero a chuva parar, morrer
Mas eu preciso, preciso me molhar
Pra respirar teu ar, tua vida
Que Maria sou eu?
Por que não hei de ser pura?
Uso somente meu tesouro
Meu espírito descansa, lá dentro
Longe da minha iniqüidade
Meu espírito não é minha imagem

-Quem és?
-Sou Maria
-Maria da Glória
-E tu, Dorotéia

sábado, 8 de março de 2008

Mulher

Mulher. Esse ser que nos tira dos eixos, que nos deixa louco, desatinado. A única criatura com o poder de fazer um homem se perder no mundo, padecer. É também aquela que nos gera, nos amamenta, nos dá a vida. O ser mais imortal que qualquer deus. Que assusta o diabo, com seu amor, seu gingado, seu cheiro. Mulher.

Se anjos tivessem sexo, seriam mulheres. P'ra quem crê, o anjo é aquela criatura zelosa, que protege, luta para o bem; enfim, mulher. Guerras são movidas em função delas, barreiras são quebradas por elas, dias são vividos por elas. Mulher tem fases, homem tem nada; mulher tem vaidade e o homem, nada; mulher chora sem medo e o homem, nada; mulher é um oceano e o homem nada.

Que homem nunca se perdeu no infinito dos olhos de uma fêmea, olhos que devoram e reinam no universo dos frágeis homens? Se todos nascem com um dom, todas elas nascem com o dom de seduzir, enfeitiçar, envolver nos seus braços jubilosos. Agressão maior à mulher é o desprezo, a falta de amor. Agressão maior à mulher é não saber venerá-la.

8 de Março.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Autobiografia do Vento.

Eu danço com árvores, existo sem ninguém me ver. Ouso dizer que sou assim como um sentimento: ninguém me vê; faço o que quiser. Construo, destruo, mas todos me sentem. Levanto aviões, derrubo aviões. Sou o fiel companheiro do ar; os pássaros nadam em mim, me amam. Sou forte, sou fraco. Até movo as nuvens. Eu sou realmente forte. Tenho mãos, pernas, tenho nada.

Os homens sempre sonharam pairar sobre mim, em mim. Alguns entorpecidos tentaram, mas padeceram. Ícaro e Dédalo conseguiram; mas, pobre Ícaro. Ousado, ambicioso, não sabia que o meu amigo mais poderoso que eu derreteu suas assas de cera. Faço carinho nas flores, as fecundo. Fecundo fungos, faço façanhas. Faço florir a flora; fecho fábricas. Quando estou quente, subo; quando frio, desço. Não brinque comigo. Em algumas cidades, fico doente, sujo, violado.

Quantos anos tenho? Quantos anos tens? Quantos anos ela tem? Quantos anos... Joga-te em mim qu'eu te seguro, te auxilio. Eu não me importo. Se há queimada, eu espalho fogo. Se há chuva, eu rego os homens; se há prazer, eu adormeço os órgãos. Eu vivo em sã consciênca, em vã liberdade. Caso eu não viva, quem moverá o mundo? Eu sou a Roda viva.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Tempo bandido

Eu fraquejo, não sei o que é o futuro. Eu vivo, vivo, vivo e só vejo o presente chegar; sempre vivo esse tal presente. Pensar no futuro? Eu penso, entretanto não o vejo chegar. Talvez quando for um homem feito, viverei em tal. Mas para se fazer um homem, deve-se pensar no futuro. Caso complicado. O passado sempre fica pra trás, com belas lembranças do que já foi um lindo presente ou quiçá eterno presente na memória.

É muito relativo pensar em passado, presente e futuro. Meu passado pode ser imperfeito, perfeito, mais-que-perfeito. Onírico; presente contínuo, simples. E o futuro? Do pretérito, imperfeito. Eu faria, seria, viveria se não fosse a imperfeição. Seria tudo confortável se eu não tivesse que lutar; mas tive. As preposições da vida impedem um futuro de ser perfeito; remetendo a um pretérito que fora bonito outrora, que foi triste ou que teria sido alegre.

Dezoito anos não comportam muito passado. Talvez alguns anos na memória. O presente de tal é o mesmo em qualquer primavera; talvez me engane. Depende de como cada um vive. E o futuro? É incerto, aberto, repleto de suposições. Talvez trinta, quarenta anos; talvez trinta ou quarenta dias. Talvez nada. Será que um pobre desabrigado tem futuro a escolher? Será que um reles morador de rua - já idoso - buscou isso para seu futuro, ou vive n'um eterno presente?

E o futuro?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Homenagem ao malandro

São tantas palavras pra descrever uma vida que, talvez, nem trocando em miúdos eu pudesse explicar. A gente dança a valsinha, a ciranda da bailarina, brinca de João e Maria, compra o realejo. N'as vitrines vemos Januária, Rita, Rosa, Teresinha, Bárbara, Luísa, Carolina e todas terminam n'um enorme desalento. Sigo em um mero cotidiano, caio no brejo da cruz, mas nunca deixo de cantar o samba do grande amor.
Há tanto mar entre minha fortaleza e o meu amor qu'eu sempre sinto um leve desencontro. Nunca deixei escapar um chorinho; até pensei ter encontrado a metade exilada de mim.
Já tentei buscar tal metade junto à Joana Francesa, mas acabei cantando o samba de Orly.
Minha história ainda cabe atrás da porta, não tem nada senão um pouco de fantasia p'ra sonhar à flor da pele.
Sigo então sem cordão; nem a maior construção irá me parar. Ninguém há de me parar e eu hei de continuar, afinal, amanhã ninguém sabe. E apesar de você tentar pôr fim na minha canção desnaturada, eu sigo até o fim, até achar um sonho de um carnaval. Vendo tudo isso, ouça um bom conselho, rapaz: não sonhe mais.

Enfim, eu só posso prometer que até segunda-feira buscarei dizer "eu te amo", mas caso contrário, só poderei dizer o de sempre: ela desatinou.

Texto antigo.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Nêga

Dança, morena
Dança tua dança qu’ela não cansa
A noite vai e vem; pega o trem, sem vintém
Samba
A noite não demora
Cura a solidão de quem chora
Cobre o peito machucado de outrora
E perdoa, pequena

Ginga, mulata
Ferve o sangue com cachaça
Mata o homem e acha graça
Mas demora, chora;
Sem hora pra sair
Vai vendo vigorar teu vício
Padece
Vida boa, ingrata

Acorda, cabrocha
O dia começou, a garrafa secou
Não deixa vazio o bolso; um poço
Acorda, a corda rompeu
Trabalha
Não deixa o samba, deixa a liamba
Queima a mortalha
E dança, morena.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Anos

Nenhuma música me descreve, nada me contradiz. Nem se eu cantasse com roucos pulmões, nem se eu desatinasse com o mais óbivo dos fatos, nada provaria uma mudança. Mas, afinal, o que é fazer aniversário? Eu prefiro que lembrem de mim um ano inteiro que só um dia. Eu não desmereço um "parabéns" inocente. Jamais.

Uma transação de idade não me surpreende, não me assusta. Maioridade, idade... Vaidade. Eu nunca sonhei com maioridade, tampouco a repudiei. Quem nada contra a correnteza, morre; quem corre contra o tempo, nunca viveu. "Não se afobe, não/ Que nada é pra já". Quem me conhece, acha que paciência passa longe de mim, muito longe. Mas, paciência é muito subjetivo. Uma divina comédia não basta à uma vida, cem anos de solidão nunca tardam a chegar.

Por isso não tarde a ter paciência. A tarde sempre dura a mesma coisa. A chuva sempre molha, o fogo nunca me congelou. Não será a mais bela das primaveras que não te proporcionará flores e amores. O meu melhor presente, hoje, não veio à meia noite, e sim há quatro meses.

(Parabéns, Gabriel)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Vida e amor

Gomes Pereira nunca sonhou, nunca amou, nunca foi. Sempre pôs-se a pensar em sua vida sozinha, incompleta. Pensava em prosa, ouvia em poesia, lia em decassílabos, coração de trovador. Seu fiel amigo sempre fora um violão, mesmo que mudo e inútil em suas mãos. Gomes sequer sabia o que era sentimento. Gomes acende um cigarro de quando em vez, ascende à vida de nunca e nunca. Aliáis, "nunca" sempre o fora mais forte que o sempre.

Gomes chora. Chora de rir, chora de medo, chora de ilusão. Gomes não sabe se descrever, não se conhece, nunca o explorou. Ousou sonhar com a viúva Alba; alva, alta, alma de infeliz. Descreveu no próprio círculo a felicidade, sem saber que não há círculos perfeitos. Nenhum é. As retas que tendem ao infinito nele saem do próprio infinito e terminam na desilusão, ingratidão, quão um cão. Seu olhar subordinado arde sem alarde, queima, não teima e desdenha n'outros olhares. Nunca conseguiu fitar olhos alheois, sabe-se lá por falta de coragem ou pela falta de olhares. Os seus começavam onde nada começa e sequer terminavam.

A bossa de Gomes... pra ele tanto faz se é nova ou velha. Seu velho piano com roucas notas emudeciam ao vê-lo. Seu piano, qual desenho animado, regia a si mesmo, tocava a esmo, sem esperar por Pereira. Prosa estática. Pereira padecia por pura espera. Esperava poder pairar pelas puras epopéias apáticas. Esperou, esperou, esperou... sempre a esperar.

Gomes nunca acordou. Procurou seu grande amor, sem pudor. Um dia encontrou; ou pelo menos jugara ter encontrado. Afinal, só se sabe que um amor é grande quando ele consome a todo o ser. E, ao notar que um ser só é completo ao chegar à paz derradeira, Gomes Pereira bradou a todos que seu amor só viria com a sua morte. Não se pode afirmar que o grande amor chegou, se estamos vivos. Só teremos nosso grande amor quando, no momento em que padecermos em terra, não nos esquecermos jamais de tal ser.

O grande paradoxo de Gomes se dá no momento em que ele se sente tão morto quanto o amor. Gomes nunca saberá se amou ou não.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Velha Joana

Joana acordou. Não aceitou passar mais um dia em branco, à toa. Joana sorriu, para sempre e jamais, sem perceber que nem mais existia; era pedra, padecia ao vento. Permanecia inerte, presa ao cobertor furado que a acompanhara naqueles tempos. Ah, aqueles árduos tempos. Iniqüidade pura.

Começou por indagar por que estava ali, presa. Aquelas duras décadas não foram recompensadas, ora porque não mereceu, ora porque não teve sorte. Lembrou de Gaspar, lembrou de casar. O nó na garganta se desfez somente quando percebeu o quanto seria feliz se tivesse pensado como pessoa e não como uma amante; amante da solidão se tornou. Entornou a amarga vida num gole só.

Lembrara com remorso quantas vezes a felicidade escapara de suas mãos por causa de tanta indecisão e medo, que consumiram-na desde sempre, como o mesmo apetite que o fogo devora as florestas. Aliás, o medo foi seu fiel companheiro, quiçá seu dono. As gélidas manhãs nubladas de outrora remetiam a uma memória nostálgica das vezes em que se sentava ao balanço do quintal e se sentia como uma princesa solitária.

O alvoroço que tomara sua cabeça naquela hora não a deixou inferir que, não só mais aquelas manhãs e o seu coração eram gélidos, mas seus membros, sua pele, sua vida. Sonhou pela última vez com flores, perdeu amores, libertou-se das dores. Joana passou a entender o porquê de tanta calmaria: a solidão derradeira havia chegado. E percebeu que, agora, o seu velho cobertor furado era sua mortalha.

Joana adormeceu. Mas adormecera sem perceber que jamais acordaria de novo.