quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Tempo bandido

Eu fraquejo, não sei o que é o futuro. Eu vivo, vivo, vivo e só vejo o presente chegar; sempre vivo esse tal presente. Pensar no futuro? Eu penso, entretanto não o vejo chegar. Talvez quando for um homem feito, viverei em tal. Mas para se fazer um homem, deve-se pensar no futuro. Caso complicado. O passado sempre fica pra trás, com belas lembranças do que já foi um lindo presente ou quiçá eterno presente na memória.

É muito relativo pensar em passado, presente e futuro. Meu passado pode ser imperfeito, perfeito, mais-que-perfeito. Onírico; presente contínuo, simples. E o futuro? Do pretérito, imperfeito. Eu faria, seria, viveria se não fosse a imperfeição. Seria tudo confortável se eu não tivesse que lutar; mas tive. As preposições da vida impedem um futuro de ser perfeito; remetendo a um pretérito que fora bonito outrora, que foi triste ou que teria sido alegre.

Dezoito anos não comportam muito passado. Talvez alguns anos na memória. O presente de tal é o mesmo em qualquer primavera; talvez me engane. Depende de como cada um vive. E o futuro? É incerto, aberto, repleto de suposições. Talvez trinta, quarenta anos; talvez trinta ou quarenta dias. Talvez nada. Será que um pobre desabrigado tem futuro a escolher? Será que um reles morador de rua - já idoso - buscou isso para seu futuro, ou vive n'um eterno presente?

E o futuro?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Homenagem ao malandro

São tantas palavras pra descrever uma vida que, talvez, nem trocando em miúdos eu pudesse explicar. A gente dança a valsinha, a ciranda da bailarina, brinca de João e Maria, compra o realejo. N'as vitrines vemos Januária, Rita, Rosa, Teresinha, Bárbara, Luísa, Carolina e todas terminam n'um enorme desalento. Sigo em um mero cotidiano, caio no brejo da cruz, mas nunca deixo de cantar o samba do grande amor.
Há tanto mar entre minha fortaleza e o meu amor qu'eu sempre sinto um leve desencontro. Nunca deixei escapar um chorinho; até pensei ter encontrado a metade exilada de mim.
Já tentei buscar tal metade junto à Joana Francesa, mas acabei cantando o samba de Orly.
Minha história ainda cabe atrás da porta, não tem nada senão um pouco de fantasia p'ra sonhar à flor da pele.
Sigo então sem cordão; nem a maior construção irá me parar. Ninguém há de me parar e eu hei de continuar, afinal, amanhã ninguém sabe. E apesar de você tentar pôr fim na minha canção desnaturada, eu sigo até o fim, até achar um sonho de um carnaval. Vendo tudo isso, ouça um bom conselho, rapaz: não sonhe mais.

Enfim, eu só posso prometer que até segunda-feira buscarei dizer "eu te amo", mas caso contrário, só poderei dizer o de sempre: ela desatinou.

Texto antigo.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Nêga

Dança, morena
Dança tua dança qu’ela não cansa
A noite vai e vem; pega o trem, sem vintém
Samba
A noite não demora
Cura a solidão de quem chora
Cobre o peito machucado de outrora
E perdoa, pequena

Ginga, mulata
Ferve o sangue com cachaça
Mata o homem e acha graça
Mas demora, chora;
Sem hora pra sair
Vai vendo vigorar teu vício
Padece
Vida boa, ingrata

Acorda, cabrocha
O dia começou, a garrafa secou
Não deixa vazio o bolso; um poço
Acorda, a corda rompeu
Trabalha
Não deixa o samba, deixa a liamba
Queima a mortalha
E dança, morena.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Anos

Nenhuma música me descreve, nada me contradiz. Nem se eu cantasse com roucos pulmões, nem se eu desatinasse com o mais óbivo dos fatos, nada provaria uma mudança. Mas, afinal, o que é fazer aniversário? Eu prefiro que lembrem de mim um ano inteiro que só um dia. Eu não desmereço um "parabéns" inocente. Jamais.

Uma transação de idade não me surpreende, não me assusta. Maioridade, idade... Vaidade. Eu nunca sonhei com maioridade, tampouco a repudiei. Quem nada contra a correnteza, morre; quem corre contra o tempo, nunca viveu. "Não se afobe, não/ Que nada é pra já". Quem me conhece, acha que paciência passa longe de mim, muito longe. Mas, paciência é muito subjetivo. Uma divina comédia não basta à uma vida, cem anos de solidão nunca tardam a chegar.

Por isso não tarde a ter paciência. A tarde sempre dura a mesma coisa. A chuva sempre molha, o fogo nunca me congelou. Não será a mais bela das primaveras que não te proporcionará flores e amores. O meu melhor presente, hoje, não veio à meia noite, e sim há quatro meses.

(Parabéns, Gabriel)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Vida e amor

Gomes Pereira nunca sonhou, nunca amou, nunca foi. Sempre pôs-se a pensar em sua vida sozinha, incompleta. Pensava em prosa, ouvia em poesia, lia em decassílabos, coração de trovador. Seu fiel amigo sempre fora um violão, mesmo que mudo e inútil em suas mãos. Gomes sequer sabia o que era sentimento. Gomes acende um cigarro de quando em vez, ascende à vida de nunca e nunca. Aliáis, "nunca" sempre o fora mais forte que o sempre.

Gomes chora. Chora de rir, chora de medo, chora de ilusão. Gomes não sabe se descrever, não se conhece, nunca o explorou. Ousou sonhar com a viúva Alba; alva, alta, alma de infeliz. Descreveu no próprio círculo a felicidade, sem saber que não há círculos perfeitos. Nenhum é. As retas que tendem ao infinito nele saem do próprio infinito e terminam na desilusão, ingratidão, quão um cão. Seu olhar subordinado arde sem alarde, queima, não teima e desdenha n'outros olhares. Nunca conseguiu fitar olhos alheois, sabe-se lá por falta de coragem ou pela falta de olhares. Os seus começavam onde nada começa e sequer terminavam.

A bossa de Gomes... pra ele tanto faz se é nova ou velha. Seu velho piano com roucas notas emudeciam ao vê-lo. Seu piano, qual desenho animado, regia a si mesmo, tocava a esmo, sem esperar por Pereira. Prosa estática. Pereira padecia por pura espera. Esperava poder pairar pelas puras epopéias apáticas. Esperou, esperou, esperou... sempre a esperar.

Gomes nunca acordou. Procurou seu grande amor, sem pudor. Um dia encontrou; ou pelo menos jugara ter encontrado. Afinal, só se sabe que um amor é grande quando ele consome a todo o ser. E, ao notar que um ser só é completo ao chegar à paz derradeira, Gomes Pereira bradou a todos que seu amor só viria com a sua morte. Não se pode afirmar que o grande amor chegou, se estamos vivos. Só teremos nosso grande amor quando, no momento em que padecermos em terra, não nos esquecermos jamais de tal ser.

O grande paradoxo de Gomes se dá no momento em que ele se sente tão morto quanto o amor. Gomes nunca saberá se amou ou não.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Velha Joana

Joana acordou. Não aceitou passar mais um dia em branco, à toa. Joana sorriu, para sempre e jamais, sem perceber que nem mais existia; era pedra, padecia ao vento. Permanecia inerte, presa ao cobertor furado que a acompanhara naqueles tempos. Ah, aqueles árduos tempos. Iniqüidade pura.

Começou por indagar por que estava ali, presa. Aquelas duras décadas não foram recompensadas, ora porque não mereceu, ora porque não teve sorte. Lembrou de Gaspar, lembrou de casar. O nó na garganta se desfez somente quando percebeu o quanto seria feliz se tivesse pensado como pessoa e não como uma amante; amante da solidão se tornou. Entornou a amarga vida num gole só.

Lembrara com remorso quantas vezes a felicidade escapara de suas mãos por causa de tanta indecisão e medo, que consumiram-na desde sempre, como o mesmo apetite que o fogo devora as florestas. Aliás, o medo foi seu fiel companheiro, quiçá seu dono. As gélidas manhãs nubladas de outrora remetiam a uma memória nostálgica das vezes em que se sentava ao balanço do quintal e se sentia como uma princesa solitária.

O alvoroço que tomara sua cabeça naquela hora não a deixou inferir que, não só mais aquelas manhãs e o seu coração eram gélidos, mas seus membros, sua pele, sua vida. Sonhou pela última vez com flores, perdeu amores, libertou-se das dores. Joana passou a entender o porquê de tanta calmaria: a solidão derradeira havia chegado. E percebeu que, agora, o seu velho cobertor furado era sua mortalha.

Joana adormeceu. Mas adormecera sem perceber que jamais acordaria de novo.