terça-feira, 18 de março de 2008

A Virgem e a Meretriz

Cá de cima eu posso ver
Alto aqui, o que nunca viste
Toda a pureza do mundo aí embaixo
Talvez eu nunca encontre
O paraíso que nos separa
Paira sobre ti, corre de mim
Talvez eu nunca encontre
Você.

Longe de mim, longe do mal
Aqui queima
Todo mundo arde e sabe por quê
Pra cá, todos correm
Desprezam-me, sei que não valho
Um tostão de misericórdia
Quem me chuta, não sabe
O prazer que me deu

-Eu não sei voar
-Eu não sei rezar
-Eu vejo o mundo
-Tão imundo

Quanta diferença
Entre nós há um abismo
Aquele da pureza; a escuridão
Afinal, eu não sei quem és
Eu sou Maria, tu és Maria
A minha sina é me guardar
Ou esperar a chuva cair
Saciando minha solidão
És uma graça. Eu, devassa

Eu também espero
Espero a chuva parar, morrer
Mas eu preciso, preciso me molhar
Pra respirar teu ar, tua vida
Que Maria sou eu?
Por que não hei de ser pura?
Uso somente meu tesouro
Meu espírito descansa, lá dentro
Longe da minha iniqüidade
Meu espírito não é minha imagem

-Quem és?
-Sou Maria
-Maria da Glória
-E tu, Dorotéia

sábado, 8 de março de 2008

Mulher

Mulher. Esse ser que nos tira dos eixos, que nos deixa louco, desatinado. A única criatura com o poder de fazer um homem se perder no mundo, padecer. É também aquela que nos gera, nos amamenta, nos dá a vida. O ser mais imortal que qualquer deus. Que assusta o diabo, com seu amor, seu gingado, seu cheiro. Mulher.

Se anjos tivessem sexo, seriam mulheres. P'ra quem crê, o anjo é aquela criatura zelosa, que protege, luta para o bem; enfim, mulher. Guerras são movidas em função delas, barreiras são quebradas por elas, dias são vividos por elas. Mulher tem fases, homem tem nada; mulher tem vaidade e o homem, nada; mulher chora sem medo e o homem, nada; mulher é um oceano e o homem nada.

Que homem nunca se perdeu no infinito dos olhos de uma fêmea, olhos que devoram e reinam no universo dos frágeis homens? Se todos nascem com um dom, todas elas nascem com o dom de seduzir, enfeitiçar, envolver nos seus braços jubilosos. Agressão maior à mulher é o desprezo, a falta de amor. Agressão maior à mulher é não saber venerá-la.

8 de Março.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Autobiografia do Vento.

Eu danço com árvores, existo sem ninguém me ver. Ouso dizer que sou assim como um sentimento: ninguém me vê; faço o que quiser. Construo, destruo, mas todos me sentem. Levanto aviões, derrubo aviões. Sou o fiel companheiro do ar; os pássaros nadam em mim, me amam. Sou forte, sou fraco. Até movo as nuvens. Eu sou realmente forte. Tenho mãos, pernas, tenho nada.

Os homens sempre sonharam pairar sobre mim, em mim. Alguns entorpecidos tentaram, mas padeceram. Ícaro e Dédalo conseguiram; mas, pobre Ícaro. Ousado, ambicioso, não sabia que o meu amigo mais poderoso que eu derreteu suas assas de cera. Faço carinho nas flores, as fecundo. Fecundo fungos, faço façanhas. Faço florir a flora; fecho fábricas. Quando estou quente, subo; quando frio, desço. Não brinque comigo. Em algumas cidades, fico doente, sujo, violado.

Quantos anos tenho? Quantos anos tens? Quantos anos ela tem? Quantos anos... Joga-te em mim qu'eu te seguro, te auxilio. Eu não me importo. Se há queimada, eu espalho fogo. Se há chuva, eu rego os homens; se há prazer, eu adormeço os órgãos. Eu vivo em sã consciênca, em vã liberdade. Caso eu não viva, quem moverá o mundo? Eu sou a Roda viva.