quinta-feira, 4 de junho de 2009

A maravilha do crime no cinema

Meu juízo me presenteou com dois filmes esses dias. Não assistia a um filme tão instigante e com reviravoltas tão esplendorosas desde Rebecca – A Mulher Inesquecível, de Alfred Hitchcock. Falo de obras maravilhosas com nomes sugestivos: Anatomia De Um Crime (Anatomy of a Murder) e Testemunha de Acusação (Witness for the Prosecution). Não sei qual dos dois merece maior destaque (talvez ambos). Esse infra-gênero de filmes (por assim dizer, filmes de tribunal) já rendeu bons e péssimos filmes. Contudo, aqueles mais antigos merecem maior destaque, a começar pelo segundo citado, da obra de Billy Wilder (Crepúsculo dos Deuses e Quanto Mais Quente Melhor).

Testemunha de Acusação foi baseado em um pequeno conto de Agatha Christie. É primoroso, a começar pelas atuações impecáveis. Charles Laughton nos deixa um personagem marcado na memória ao interpretar o Sr. Wilfrid, advogado recém-saído de um duradouro coma, após um infarto. Este personagem ao mesmo tempo em que domina um sarcasmo inigualável, possui ainda um humor brincalhão. É acompanhado de uma enfermeira linha dura que fará de tudo para que ele não faça o menor esforço. A trama se inicia quando um senhor chamado Leonard Vole é acusado de matar sua amante, uma viúva de certa idade. O Sr. Vole é levado ao escritório desse notório advogado – o qual jurou, por motivos médicos, nunca mais aceitar casos da área criminal, mas tão-somente divórcios ou ações do gênero – a fim de tentar convencê-lo a levar seu caso adiante. Como o Sr. Wilfrid não conseguiu largar os charutos e nem o conhaque, aceitou-o. No meio da trama, aparece uma figura importantíssima, a frígida mulher desse Leonard Vole, com uma interpretação belíssima de Marlene Dietrich. O caso vai à julgamento, e é dentro do tribunal que acontecem as sucessivas reviravoltas. Elas, com certeza, deixam toda e qualquer pessoa boquiaberta. Os argumentos são pouca coisa inferior aos do segundo filme, porém as atuações, combinados com um final histórico, fazem dessa obra de Billy Wilder um filme marcante.

Otto Preminger (Bunny Lake Desapareceu e Exodus) deixou ao mundo do cinema um presente para quem gosta de um thriller dos tribunais. James Stewart (Janela Indiscreta e A Felicidade Não Se Compra) se apresenta ótimo como sempre, no papel de um singelo advogado que decide levar adiante um caso praticamente perdido: um marido matou o estuprador da sua mulher, e todos sabem, pois ele confessou. Parece uma linha simples de raciocínio, até que surge a figura dessa mulher; quase que promíscua e extrovertida, essa loura sensual coloca uma dúvida na cabeça do espectador: houve mesmo estupro? As coisas, que no começam pareciam claras, vão se turvando de forma gradativa no filme, ao passo que, do seu meio até o final, nada mais está claro. Com argumentos de uma criatividade ímpar, o filme se desenrola de forma majestosa perdendo apenas no seu final (ou talvez não).

Eis a diferença entre os dois filmes. No clássico de Billy Wilder, o filme todo é muito bom, e nas suas cenas derradeiras, transforma-se em uma obra-prima. Já na obra de Otto Preminger, o filme inteiro é uma obra sensacional, deixando um final aparentemente estranho e parecendo voltar à estaca zero. Entretanto, ele pode – dependendo da interpretação – esclarecer aquela dúvida inicial. Não se embrulhem na mortalha antes de assisti-los.