quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Lua vadia

Certa época do ano, os dias são mais demorados que o normal. Ouvi dizer que, em Salinas, por esse fato incomum, a lua nasce antes do sol se pôr e ambos ficam, de certa forma, alinhados. Engraçado. A lua é vadia, se aproveitando da hora tardia. A lua usurpa o espaço do sol, dividindo com o astro sua beleza. Contempla a todos com um espetáculo ímpar.

A lua se entromete na vida do sol, e este por sua vez fica lá, padecendo segundo por segundo, até tocar na água, até sucumbir, ainda que seja por uma noite. Ele não se preocupa. O sol vai renascer, do outro lado, dando a volta na lua, enganando a sabichona. O céu não consegue esconder a lua; ela vai, passa e se instala, como o posseiro de Teresinha, como abelha rainha. Ninguém esconde a lua, ainda que pequena, pois a noite é dela; seu teatro é na escuridão.

Rir é risível

Quando alguém ri, não ri à toa. Pode ser da tragédia, do cômico, do amor. Um simples riso não diz nada, mas tampouco omite sentimento algum. É o retrato daquilo que existe, sem mais ne por quê. Quando ris, não o faz apenas com a boca, com os lábios. Todos os músculos estremecem, toda lembrança é - indevidamente - rememorada. O riso se faz assim, vadio e dissimulado.

A boca não ri sozinha; seria um insulto deixá-la contrair solitária, sem companheiro, sem afago. Os olhos riem, a alma ri, o corpo gargalha. Todo um espectro é criado no momento exato do riso, da fala, do som. E quem não sabe ri, ri do avesso; ri pro nada, rouba risos. A vida se faz de risos, mas estes não se fazem por ela; fazem-se por si próprios. Existem pelo puro prazer lascivo.

O sorriso é o riso indecente. É o riso sem pudor, sem caráter. É o avesso do avesso.
É, mas também não é. É risível.