quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Feira (literalmente) do livro

Que maravilha. Estamos na XII Feira do livro. Ela recebe milhares de visitantes por dia. Crianças, jovens e idosos; gente de todas as idades. Mas, enfim, qual o intuito da Feira? Passei trinta minutos lá para ter certeza que comprar pela internet é melhor que o controle remoto. A feira é enorme. Majestosa em quantidade; em qualidade, sequer merece comentários. Afinal, uma das maiores feiras de livros da América Latina deveria ter o pudor de selecionar títulos nobres, clássicos da literatura. Já pensou comprar A Divina Comédia ou Dom Quixote por dez reais? Mas não; enquanto isso temos toda o arsenal do Paulo Coelho junto com os caçadores de sei-lá-o-quê.

De mil pessoas que freqüentam a feira, não seria espantoso que apenas uns cem comprasse, pelo menos, um livro para o filho. Quem já foi à feira [do livro] sabe que a algazarra, o alvoroço, a balbúrdia, não acontece porque é a feira do livro, e sim porque é mais um evento qualquer de Belém. Se a leitura fosse estimulada e se o preço dos livros fossem acessíveis, as crianças iriam ao Hangar para ter uma diversão saudável, comprariam livros e voltariam para casa felizes, e não se uniriam em gangues para brigar bem na frente do centro de convenções. Acham lindo, a imprensa então, fez promessa pra santinha.

Tem gente que realmente pretende ir à feira do livro para comprar um título que seja interessante para si, que leva os filhos para que eles se divirtam ante aos milhares de livros infantis. Mas tem gente que vai tão-somente pelo fato de ser "alguma coisa que todo mundo vai"; aí faz bagunça, arruma briga; é farinha de feira. Ariano Suassuna que nos perdoe pela feira.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Gélida garrafa

Conta a lenda dentro da minha cabeça que um navio estava a naufragar. Alvoroço, correria, medo. Aquela gélida água não perdoaria ninguém, nem mulheres nem crianças. Os barcos haviam pegado fogo em conseqüência da correria; um lampião caíra neles. O inferno começara ali. Não restava nada senão a morte.

O comandante, como de praxe, havia ficado na cabina, refletindo e pensando se morreria sorrindo ou agonizando. Pôs-se a pensar. Avistou um tinteiro, procurou por folhas e redigira um manuscrito antes que a água tornasse sua azul mortalha. O velho truque da garrafa ajudara-o. Deixou mulher, filhos. Deixou a si mesmo. Traiu o mar. Trinta e sete anos depois, uma velha - já castigada pelo tempo - encontrara um manuscrito numa garrafa de rum. Tinha versos escritos: Morrerei/ Poseidon convocou-me à luta/ Do mar quero ser rei/ Eis meu desalento: árdua labuta.

Longe dali, n'outro continente, um jovem poeta pescava quando avistou um objeto a boiar, não era opaco. Alcançara com a canoa, tirou a rolha. Papel velho. Eis o que continha:

À minha doce amada,
Encontro-me naufragando, à deriva no mar. Não sei se viverei para ver nossos filhos brigando um com o outro. Sinto medo, saudade. Sinto que te amo, minha querida. Os vinte e cinco anos que passamos juntos pareceram vinte e cinco dias, tamanha a intensidade do nosso amor. Sinto que nos amamos o suficiente. Agora sinto tuas mãos se confortando na minha barba malfeita, teus risos das dez da noite, teu grito de prazer, teu sexo. Teu perfume agora toma conta da minha cabine, me entorpece, me encanta. Parece que nunca te vi; amor platônico. Sou aquela criança que tem um amor impossível de colegial. Diga aos nossos filhos que nos amamos de verdade.
Sabia, minha querida, que o pingüim, quando escolhe uma fêmea, passa com esta o resto da sua vida? Somente com ela. Todo o seu prazer se dá em um único deleite.
Teus seios repousam em minha mente para sempre. Eu hei de lembrar-te junto aos corais, aos peixes, às moréias. A saudade já me dói agora, neste último instante de vida que me resta, porque não sei se depois me sentirei confortável ou se amar-te-ei na infinitude, na imensidão do mar. Tua imagem está agora em mim, penetrou na minha pele, foi até o âmago.
Não me esquece, minha amada. Um dia estarei ao lado teu. Enganarei o destino e o tempo; uniremo-nos em morte, bem como ocorreu em vida. Espera-me. Se me amas como te amo, não fiques triste. Estou agora do teu lado. Sou a nuvem mais bonita, a flor mais colorida, o bicho mais voraz. Sou teu desejo mais profundo ou profano. Somos um só agora. Agora vou virar um peixinho, meu amor. Adeus.


As mensagens nunca tiveram outro remetente.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Santo Cego

Afinal, o que é Dignidade? O que significa ter uma morte digna? Viver com dignidade ou morrer pela falta dela. Eis um problema. Diz-se problema porque há uma grande vilã que obscuresce não só esse conflito, como muitos outros: a tão enaltecida igreja católica apostólica romana. Tão péssima quanto o pior dos ditadores. Esta impede um avanço, uma esperança. Células-tronco, casamento homossexual e todas as outras barreiras que o povo brasileiro não supera pela existência desse estorvo. Suicídio assistido. Tânatos. O Direito reprime essa prática de uma forma racional, a igreja, de um modo macabro. "Você vai para o inferno caso se mate". O atleta que fica tetraplégico já vive no inferno. Sua dignidade expirou.

Tamanha é a sapiência católica que um padre voou e não voltou; foi para o céu. Essa igreja interfere na autonomia da vontade alheia, cega os olhos dos seu seguidores. Mas afinal, dignidade é ouvir as palavras de pedófilos ou maníacos com complexo de Ícaro? Ou dignidade é saber o que é melhor para si, saber o limite da sua existência?

A História, como se sabe, é escrita pelos vencedores, pelos gloriosos. Diga-se de passagem que a Igreja Católica dizimou qualquer religião que a contrariasse, queimou curandeiros acusando-os de bruxaria, torturou sábios, ameaçou homens que mudaram a concepção humana (vide Galileu) e (quase) dominou o mundo. É nesse tipo de diretriz que devemos crer para ter uma paz espiritual melhor? Não consigo crer numa instituição que impede o avanço tecnológico, social, filosófico e, por que não, religioso. Se padres e bispos fossem mudos, o mundo - ou pelo menos o Brasil - seria menos cego. Quem escolhe é o dono da vida, e não aquela que já tirou milhões delas.

Quem crê em deus, cuidado. Ele tem muita gente pra cuidar, muito pedido pra acatar e muita, muita bagunça pra arrumar, feita em nome dos seus fiéis. Uma guerra santa nunca é o suficiente.