quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Velha Joana

Joana acordou. Não aceitou passar mais um dia em branco, à toa. Joana sorriu, para sempre e jamais, sem perceber que nem mais existia; era pedra, padecia ao vento. Permanecia inerte, presa ao cobertor furado que a acompanhara naqueles tempos. Ah, aqueles árduos tempos. Iniqüidade pura.

Começou por indagar por que estava ali, presa. Aquelas duras décadas não foram recompensadas, ora porque não mereceu, ora porque não teve sorte. Lembrou de Gaspar, lembrou de casar. O nó na garganta se desfez somente quando percebeu o quanto seria feliz se tivesse pensado como pessoa e não como uma amante; amante da solidão se tornou. Entornou a amarga vida num gole só.

Lembrara com remorso quantas vezes a felicidade escapara de suas mãos por causa de tanta indecisão e medo, que consumiram-na desde sempre, como o mesmo apetite que o fogo devora as florestas. Aliás, o medo foi seu fiel companheiro, quiçá seu dono. As gélidas manhãs nubladas de outrora remetiam a uma memória nostálgica das vezes em que se sentava ao balanço do quintal e se sentia como uma princesa solitária.

O alvoroço que tomara sua cabeça naquela hora não a deixou inferir que, não só mais aquelas manhãs e o seu coração eram gélidos, mas seus membros, sua pele, sua vida. Sonhou pela última vez com flores, perdeu amores, libertou-se das dores. Joana passou a entender o porquê de tanta calmaria: a solidão derradeira havia chegado. E percebeu que, agora, o seu velho cobertor furado era sua mortalha.

Joana adormeceu. Mas adormecera sem perceber que jamais acordaria de novo.

Um comentário:

lucasdc disse...

Foda o texto.
Já coloquei no blogroll do meu.
lerobot.wordpress.com.
Abraços.