segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Estocolmo

Ela acordou. Quarto escurto, úmido, fechado, sem nem um feixe solitário de luz. Ratos e insetos desfilando como num evento. Arrastou a mão pelo piso e sentiu aquela desgostosa farpa de madeira penetrando-lhe os dedos, banhando-se, vestindo-se de vermelho. Não tinha sequer lágrimas a derramar, nem um grito, nem um urro de dor. Seu desespero estava espremido por outro sentimento inexplicável, selvagem.

De repente, entra alguém no úmido recinto, berrando, indagando que o resgate não havia sido pago. Chutou a mesa, falou alguma coisa em húngaro - a língua que até o diabo teme -, olhou para ela e sorriu. Aquele sorriso parecia um faca penetrando seu coração, dilacerando o peito já abalado por um rapto ainda sem explicação. Lembrou da Bela e a Fera; não sabia por quê. Talvez seu inconsciente o fizesse. Talvez seu coração. Sobreviveu assim, por medo, por afeição. Sobreviveu pelo stress. Viveu. Esse processo ocorreu amiúde. Ninguém viu, ninguém ouviu. O mundo ficava cada vez mais desconexo; a vida adormecera.

Ele entra. Ela não grita, não chora, não odeia. Entra rápido, sem falar, sem hesitar. Seu coração palpita sem explicação. Síndrome, sono, sexo. Agora era Patty Hearst. Agora era nunca mais. A polícia cercara o cativeiro. Um projétil gélido e acinzentado penetrara suavemente o bulbo dele; outro, o cerebelo. Por fim, sua traquéia fora dilacerada por uma bala de fuzil. Toda a cena foi assistida por ela. Toda. "Não!". Ouviu-se um inesperado grito de agonia. E Estocolmo nunca ficara tão perto dos seus olhos. Nunca um amor fora criado assim, para ela. Nunca a cabeça turvara sua visão. É a captura da noiva; é tudo e nada. Esse laço fora quebrado para sempre, e ela viverá, assim, amargada pela perda, pela força. Fora forçada a perder. Morreu velha, sem entender por que amara o húngaro.

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