Nas inúmeras lições de Direito – independentemente do ramo –, é sempre dito que é preciso ter dignidade. O ser humano deve ter dignidade, viver com tal. Contudo, ao se deparar com a discussão moral, social, civil, constitucional e, além de tudo, biológica, a dignidade humana é sobreposta por um impasse histórico e cultural: a mudança de sexo.
As várias (e diferentes) decisões judiciais surgem para aumentar tal discussão. Ora, algumas vezes é dito que não se pode mudar de sexo; por outro lado, decisões dizem que em possível, contanto que seja discriminado em documentos da pessoa que esta é transexual. A evolução das decisões mostra ao mundo uma evolução filosófica e cultural dos juízes do país. As mentes pensantes que estão por trás das decisões que indeferem os pedidos de cirurgia para mudança de sexo devem ser as mesmas que defendem a idéia de que um ser humano não pode dispor da sua própria vida; é incabível tal pensamento em face das mudanças sociais. Em um acórdão sobre a questão, é possível ler tal frase: O sexo integra os direitos da personalidade e não existe previsão de sua alteração; a identidade sexual deve ser reconhecida pelo homem e pela mulher, por dizer respeito à afetividade, à capacidade de amar e de procriar, à aptidão de criar vínculos de comunhão com os outros. Claramente se nota a tentativa desatinada do desembargador em defender suas convicções ao dizer que a identidade sexual diz respeito à afetividade e à capacidade de amar, visto que o mesmo não se recordou que existem seres humanos incapazes de amar ou sentir qualquer empatia com o próximo: os psicopatas. Logo, nesse lamurio pensamento, os psicopatas (sendo estes doentes mentais, apesar de terem total discernimento do que fazem e, ainda, estarem cientes da sua apatia) não se encaixam nesses padrões sociais e poderiam, por exclusão, realizar a cirurgia.
O problema do imbróglio é que o transexual não é tratado como ser humano com dignidade igual a qualquer outro regido pelo Ordenamento. É dito, outrossim, no mesmo acórdão que o transexual não deve ter seu egocentrismo satisfeito uma vez que ele ofenderá a boa ordem e também os indivíduos de má-fé. Todavia o transexual também é uma pessoa de boa-fé; ele deseja apenas viver com dignidade. O que muitos operadores do direito olvidam – no seu suposto notório saber – é que o transexual, antes de sê-lo, é uma mulher nascida em um corpo masculino, e vice-versa. Para ele, viver daquele jeito é viver sem dignidade, bem como um ex-atleta tetraplégico que já não se sente à vontade ao não poder mais realizar suas vontades.
Na obra-prima de Franz Kafka, A Metamorfose, Gregor Samsa acorda, um belo dia, metamorfoseado em um gigante e asqueroso inseto, passando a se isolar de todos; na verdade, não precisa ele se isolar. A própria sociedade já o faz. A sociedade não admite ninguém fora dos padrões, fora do aceitável. Sabendo disso, Gregor se restringe ao seu minúsculo quarto até definhar, visto que ninguém mais o aceitaria. O mesmo acontece com Joseph Merrick, inglês que viveu no séc. XIX, conhecido como Homem Elefante por suas deformidades físicas. Este, por sua vez, tentou mostrar à sociedade que a afetividade e o bom-senso não se fazem com aparências ou padrões sociais, e sim com evolução filosófica. É quase uma questão metafísica.
Aos magistrados imutáveis ao clamor social, percebe-se que falta o empirismo lockeano: suas idéias permanecem inatas ao longo do tempo, independendo de experiências vividas com os anos passados.
É preciso, obviamente, atentar para o princípio da dignidade da pessoa humana e salientar que o transexual que tenta estabelecer uma relação afetiva com outrem não está agindo de má-fé, pois este almeja apenas um vínculo com pessoa do sexo oposto – por assim dizer, nos casos em que o próprio gênero da pessoa é mudado nos documentos. É claro que, o cônjuge que se sinta enganado tem o direito de pedir a anulação do casamento caso este seja realizado com o transexual, visto que tal cônjuge tenha objetivos difusos: queira, por exemplo, constituir família com filhos biológicos. Mas não se pode dizer, jamais, que o transexual agiu de má-fé, ao falar que este só agirá de boa-fé caso deixe explicitado a todos que houve uma mudança de sexo. Ninguém que muda qualquer parte do seu corpo – seja homem ou mulher – tem em algum documento dispositivo explícito de um estado de outrora; não há porque fazer tal coisa com o transexual, em face da sua dignidade. Entretanto é necessário manter uma segurança jurídica na sociedade, ao passo que poderia ser possível a anulação de um casamento nessas circunstâncias, onde o cônjuge do transexual se sentisse violado e enganado; mas, seria mais coerente alegar que o problema é de deficiência física, como nos casos de esterilidade, e não de erro sobre a pessoa, pois o transexual, como seu conceito carrega, já não é mais do sexo de antes, e sim para o qual ele mudou. E, por razão do grande avanço da ciência, essa mutabilidade da natureza é possível nos dias de hoje. Em outro acórdão, é salientado que essa mudança – ou a satisfação egocêntrica – vai contra a natureza, sendo, portanto impossível mudá-la. Entretanto, o próprio Direito já foi contra a natureza ao criar as chamadas “Leis Naturais”; ora, lei é o conjunto de institutos criados pelo homem a fim de reger um Ordenamento jurídico. E, se nada natural pode ser criado ou modificado pelo homem, as leis naturais inexistem, portanto, e todo o nosso Ordenamento vai contra a própria natureza , na medida em que o conceito de lei natural aduz à existência de um direito que está estabelecido na própria natureza humana. Se assim o fosse, todas as leis seriam imutáveis, independentemente de avanço ou clamor social.
Outro aspecto importante que tange o Direito de Família é o princípio da Função Social da Família. O conceito desse princípio traz a idéia de que as relações familiares devem ser analisadas a partir do contexto social em que elas se encontram. Sendo assim, se a família constituída não acarretar problemas, não há por que o Direito interferir de forma tão severa, vetando as cirurgias de mudança de sexo.
Portanto, ao analisar os princípios e o contexto social, é possível dizer que não se faz necessária tamanha resistência a tais cirurgias. Elas não tiram a segurança jurídica do nosso Ordenamento; não há má-fé dos transexuais. É necessário, pois, acompanhar as mudanças sociais.

JohnFitzgerald Kennedy. Este nome seria uma promessa de um Estados Unidos melhor, caso não o matassem. Depois de assistir ao filme JFK (1991) de Oliver Stone, pude, talvez, notar no que consiste os Estados Unidos da América. Assassinato propriamente dito? Conspiração? Por que uma pessoa sozinha mataria um presidente? Existe uma palavra-chave para toda a questão: guerra. A guerra move os Estados Unidos, gera bilhões de dolares por ano ao país. Então, se um presidente chega com o discurso de acabar com a guerra, o que aconteceria com ele?

